"A Carteira de Meu Tio", de Joaquim Manuel de Macedo

Do mesmo autor de "A Moreninha", clássico da ficção romântica no Brasil, lançado em 1844, "A Carteira de Meu Tio", de 1855, conta a estória de um tio que recebe o seu sobrinho, após um período de estudos na Europa. O jovem, que fora para o continente europeu com o objetivo de estudar, fez de tudo, menos cumprir o objetivo principal, vivendo de bebedeiras e farras.

Em sua volta para o Brasil-Império decide entrar para a política, com a ajuda do influente tio. O tio concorda, mas dá uma missão ao sobrinho: o mesmo deve sair em viagem pelo interior do Brasil para conhecer os reais problemas da sociedade brasileira.

Para isto, o tio lhe dá uma caderneta de anotações (a carteira), uma certa quantia em dinheiro e uma cópia da Constituição (chamada pelo tio de "a defunta").

A viagem do sobrinho pelo interior do país se torna em uma grande sátira política, sendo praticamente impossível não comparar muitas das situações que tinham como responsáveis os políticos do século XIX, com situações atuais e com políticos dos séculos XX e XXI.

Eticamente, moralmente e politicamente, o Brasil mudou muito pouco do século XIX para cá. Se o autor pudesse ver, talvez nem se impressionasse em como tramoias, roubalheiras e conluios ainda são tão bastante comuns. Serviços públicos totalmente deficientes ainda fazem parte do cotidiano da sociedade brasileira, assim como fora narrado por ele há 165 anos.

Parece que, tanto os políticos do Brasil- Império quanto os políticos das fases seguintes da história do Brasil, têm a mesma origem: o lamaçal no qual sobrinho e seu cavalo ficaram atolados durante a viagem; metáfora muito bem utilizada por Joaquim Manuel de Macedo.

A trama ocorre lentamente, sem dramas ou aventuras, mas tem muita crítica social, reflexões e pensamentos filosóficos, diante do que o personagem vê.

O humor ácido e as ironias da estória nos trazem a reflexão e a comparação com o modelo atual de gestão pública no Brasil. "A Carteira de Meu Tio", mais atual do que nunca, discursa sobre as nossas "eternas" mazelas sociais e nos possibilita a consideração de que muitos dos problemas crônicos do país, nunca foram resolvidos por má vontade política e pela estrutura como ela se define em todas as suas esferas.




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